Dom
Eugênio Sales foi o grande responsável pela existência da Campanha da
Fraternidade”, afirma padre José Adalberto Vanzella, doutor em Teologia,
secretário executivo do regional nordeste 5 da CNBB. Artigo seu sobre o
tema foi enviado à sede da Conferência em Brasília.
Padre
Vanzella lembra que para compreender a participação de Dom Eugênio na
campanha da Fraternidade da CNBB, “precisamos conhecer o processo
histórico que possibilitou o surgimento da referida campanha. Este
processo iniciou-se na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte. Durante a
Segunda Guerra Mundial, Natal foi escolhida pelos Estados Unidos como
lugar estratégico para comandar as tropas que lutavam no norte da África
e, no final de 1941, a cidade, que tinha menos de 60.000 habitantes,
recebeu 20.000 soldados norte americanos, o que gerou uma grande
desordem social. O crescimento da cidade foi vertiginoso, de modo que,
em 1950, a sua população era de 103.215 habitantes, o que significou um
crescimento populacional de 84,18% em uma década. Se esse índice de
crescimento fosse mantido, Natal seria hoje pelo menos quatro vezes mais
populosa e uma das cinco maiores cidades do país”.
O
crescimento referido por padre Vanzella, no artigo, “veio acompanhado
de sérios problemas que desafiaram a Igreja. Quem respondeu inicialmente
aos desafios foi a Ação Católica que, a partir de 1945, deixa de ter
apenas objetivos religiosos e missionários para se preocupar também com
os problemas sociais, o que acontece com a realização da Primeira Semana
da Ação Católica. O assistente eclesiástico das Senhoras da Ação
Católica de Natal era o padre Nivaldo Monte. Ainda em 1945, o padre
Eugênio de Araújo Sales, diretor espiritual do Seminário Menor São
Pedro, de Natal, criou a Juventude Masculina Católica, e logo
associou-se ao padre Nivaldo Monte na tarefa de responder aos desafios
sociais da cidade de Natal. O resultado dessa união foi o
estabelecimento de reuniões mensais, a partir de 1948, para discussão
dos assuntos sendo que, aos poucos, todo o clero de Natal envolveu-se
com a questão. O resultado dessas reuniões foi o surgimento do Movimento
de Natal, que tem como referência de seu surgimento o ano de 1948, com
ações sociais em diferentes frentes”.
Em
1961, segundo padre Vanzella, a Cáritas Brasileira idealizou uma
campanha para arrecadar fundos para as atividades assistenciais e
promocionais da instituição, buscando autonomia financeira para a
prática da solidariedade. Era uma campanha de coleta que deveria
acontecer no tempo da quaresma colhendo os frutos do jejum e da
penitência. Essa atividade foi chamada Campanha da Fraternidade e
realizada, pela primeira vez, na Quaresma de 1962, em Natal (RN), a
pedido do então Administrador Apostólico Sede Plena, dom Eugênio de
Araújo Sales, que havia sido nomeado bispo auxiliar em 1954 e, em 1962,
assumiu a direção da Arquidiocese. A iniciativa contou com adesão de
outras três dioceses e apoio financeiro dos bispos norte-americanos. No
ano seguinte, dezesseis dioceses do Nordeste realizaram a Campanha,
sendo que o local onde ela obteve maior sucesso foi a Arquidiocese de
Fortaleza, principalmente por causa do estímulo, apoio e comprometimento
do seu arcebispo, dom José de Medeiros Delgado.
“Em
1963, na cidade de Nisia Floresta, quatro religiosas da Congregação
Missionária de Jesus Crucificado realizaram, à luz do Concílio Vaticano
II que estava em andamento, uma experiência de inserção, indo morar na
paróquia que era sede vacante e atuando como verdadeiras vigárias,
inseridas também no contexto da Arquidiocese de Natal. Ao constatar a
péssima condição de vida do povo e a necessidade de uma ação mais
efetiva de solidariedade, criaram a Marcha da Solidariedade, caminhada a
pé passando de casa em casa recolhendo doações para a solidariedade”,
escreve padre Vanzella. “Esta caminhada usava de todos os recursos
disponíveis como carro de som, faixas, cartazes, etc., e todos os meios
de locomoção e acontecia na semana que precedia o Domingo de Ramos,
terminando no domingo. Nesta caminhada, arrecadavam todos os tipos de
doações, como roupas, utensílios domésticos, alimentos, remédios e,
principalmente, produtos da agricultura local como o coco, mandioca,
abóbora, etc. Alguns produtos eram distribuídos diretamente e outros
comercializados nas feiras livres da região. Com os recursos angariados,
eram comprados objetos que respondiam às necessidades da população como
alimentos, redes, roupas, panelas, etc., que as irmãs distribuíam para
as pessoas carentes nas suas próprias casas. A comunidade que mais
participou desta atividade em Nísia Floresta foi a de Timbó, distante
cinco quilômetros da sede, onde estive presidindo a Eucaristia e fiz uma
reunião com os moradores que narraram fatos do início da Campanha da
Fraternidade e pediram explicações sobre a situação atual da referida
Campanha”.
No artigo, padre Vanzella
lembra que “durante o desenvolvimento do Concílio Vaticano II, o
Cardeal Suenens fez um discurso, no final da primeira sessão, que gerou
uma discussão entre o episcopado brasileiro sobre a realização de uma
campanha de arrecadação de fundos para a ação social. A consequência
dessa discussão foi que, durante uma reunião dos Bispos do Brasil, na
casa Domus Mariae em Roma, que aconteceu em outubro de 1963, foi
aprovada a realização da Campanha da Fraternidade em âmbito nacional,
seguindo o modelo que acontecia no Estado do Rio Grande do Norte”.
A
partir das decisões desta reunião, segundo o texto do padre Vanzella,
“Dom Helder Câmara, Secretário-Geral da CNBB, escreveu uma circular a
todos os bispos do Brasil, datada de 26 de dezembro de 1963, que ficou
conhecida como ´certidão de nascimento da Campanha da Fraternidade´ na
qual coloca os seus princípios fundamentais: ´Excelência: É,
provavelmente, do seu conhecimento o plano de uma Campanha Nacional, na
linha de coletas que são feitas na Alemanha Católica. Embora ainda
estejamos estudando com técnicos em publicidade o lançamento desta
promoção, permita a confiança fraterna de enviar-lhe o primeiro esboço
do que está ocorrendo como sugestão. Por favor, envie-nos uma primeira
reação urgente: a) Em tese, a ideia lhe agrada? b) A Diocese de V.
Excia. aderirá à Campanha? c) Que impressão lhe causa o material
remetido? Tem sugestões a apresentar? Aguardo suas instruções e suas
ordens o amigo em Jesus Cristo”.
“A
criação da Campanha da Fraternidade, no Rio Grande do Norte, não foi um
ato isolado na vida de Dom Eugênio, mesmo porque este ato foi um avanço
num processo que ele vinha desenvolvendo há anos. Todos esses fatos nos
mostram como a caridade moveu o seu coração, assim como a sua
sensibilidade em relação ao sofrimento humano, que se mostrou presente
em toda a sua vida como, principalmente nos trabalhos que ele realizou
em Salvador e no Rio de Janeiro”, conclui padre Vanzella.