O 23º Dia Mundial do Doente
será celebrado nesta quarta-feira, 11 de fevereiro, festividade da Virgem de
Lourdes. Por ocasião da data, o papa Francisco enviou mensagem, em que recorda
ser preciso cuidar das pessoas doentes. "A caridade precisa de tempo.
Tempo para cuidar dos doentes e tempo para os visitar. Tempo para estar junto
deles", disse Francisco.
A celebração foi instituída
pelo papa João Paulo II em 1992.
Leia, na íntegra, o texto:
MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO
PARA O XXIII DIA MUNDIAL DO DOENTE
PARA O XXIII DIA MUNDIAL DO DOENTE
(11 DE FEVEREIRO DE 2015)
«Sapientia cordis. “Eu era os olhos do cego e
servia de pés para o coxo” (Jó 29, 15)»
Queridos irmãos e irmãs,
Por ocasião do XXIII Dia
Mundial do Doente, instituído por São João Paulo II, dirijo-me a todos vós que
carregais o peso da doença, encontrando-vos de várias maneiras unidos à carne
de Cristo sofredor, bem como a vós, profissionais e voluntários no campo da
saúde.
O tema deste ano convida-nos a
meditar uma frase do livro de Jó: «Eu era os olhos do cego e
servia de pés para o coxo» (29, 15). Gostaria de o fazer na
perspectiva da «sapientia cordis», da sabedoria do
coração.
1. Esta sabedoria não é um conhecimento
teórico, abstrato, fruto de raciocínios; antes, como a descreve São Tiago na
sua Carta, é «pura (…), pacífica, indulgente, dócil, cheia de misericórdia e de
bons frutos, imparcial, sem hipocrisia» (3, 17). Trata-se, por conseguinte, de
uma disposição infundida pelo Espírito Santo na mente e no
coração de quem sabe abrir-se ao sofrimento dos irmãos e neles reconhece a
imagem de Deus. Por isso, façamos nossa esta invocação do Salmo: «Ensina-nos a
contar assim os nossos dias, / para podermos chegar à sabedoria do coração» (Sal 90/89,
12). Nesta sapientia cordis, que é dom de Deus, podemos
resumir os frutos do Dia Mundial do Doente.
2. Sabedoria do
coração é servir o irmão. No discurso de Jó que contém as palavras
«eu era os olhos do cego e servia de pés para o coxo», evidencia-se a dimensão
de serviço aos necessitados por parte deste homem justo, que goza de uma certa
autoridade e ocupa um lugar de destaque entre os anciãos da cidade. A sua
estatura moral manifesta-se no serviço ao pobre que pede ajuda, bem como no
cuidado do órfão e da viúva (cf. 29, 12-13).
Também hoje quantos cristãos dão testemunho – não com as
palavras mas com a sua vida radicada numa fé genuína – de ser «os olhos do
cego» e «os pés para o coxo»! Pessoas que permanecem junto dos doentes que
precisam de assistência contínua, de ajuda para se lavar, vestir e alimentar.
Este serviço, especialmente quando se prolonga no tempo, pode tornar-se
cansativo e pesado; é relativamente fácil servir alguns dias, mas torna-se
difícil cuidar de uma pessoa durante meses ou até anos, inclusive quando ela já
não é capaz de agradecer. E, no entanto, que grande caminho de santificação é
este! Em tais momentos, pode-se contar de modo particular com a proximidade do
Senhor, sendo também de especial apoio à missão da Igreja.
3. Sabedoria do
coração é estar com o irmão. O tempo gasto junto do doente é um tempo
santo. É louvor a Deus, que nos configura à imagem do seu Filho, que «não veio
para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para resgatar a multidão» (Mt 20,
28). Foi o próprio Jesus que o disse: «Eu estou no meio de vós como aquele que
serve» (Lc 22, 27).
Com fé viva, peçamos ao Espírito Santo que nos conceda a
graça de compreender o valor do acompanhamento, muitas vezes silencioso, que
nos leva a dedicar tempo a estas irmãs e a estes irmãos que, graças à nossa
proximidade e ao nosso afeto, se sentem mais amados e confortados. E, ao invés,
que grande mentira se esconde por trás de certas expressões que insistem muito
sobre a «qualidade da vida» para fazer crer que as vidas gravemente afetadas
pela doença não mereceriam ser vividas!
4. Sabedoria do
coração é sair de si ao encontro do irmão. Às vezes, o nosso mundo esquece
o valor especial que tem o tempo gasto à cabeceira do doente, porque, obcecados
pela rapidez, pelo frenesi do fazer e do produzir, esquece-se a dimensão da
gratuidade, do prestar cuidados, do encarregar-se do outro. No fundo, por
detrás desta atitude, há muitas vezes uma fé morna, que esqueceu a palavra do
Senhor que diz: «a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40).
Por isso, gostaria de recordar uma
vez mais a «absoluta prioridade da “saída de si próprio para o irmão”, como um
dos dois mandamentos principais que fundamentam toda a norma moral e como o
sinal mais claro para discernir sobre o caminho de crescimento espiritual em
resposta à doação absolutamente gratuita de Deus» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 179). É da própria natureza
missionária da Igreja que brotam «a caridade efetiva para com o próximo, a
compaixão que compreende, assiste e promove» (Ibid., 179).
5. Sabedoria do
coração é ser solidário com o irmão, sem o julgar. A caridade precisa de
tempo. Tempo para cuidar dos doentes e tempo para os visitar. Tempo para estar
junto deles, como fizeram os amigos de Jó: «Ficaram sentados no chão, ao lado
dele, sete dias e sete noites, sem lhe dizer palavra, pois viram que a sua dor
era demasiado grande» (Job 2, 13). Mas, dentro de si mesmos, os
amigos de Jó escondiam um juízo negativo acerca dele: pensavam que a sua
infelicidade fosse o castigo de Deus por alguma culpa dele. Pelo contrário, a
verdadeira caridade é partilha que não julga, que não tem a pretensão de
converter o outro; está livre daquela falsa humildade que, fundamentalmente,
busca aprovação e se compraz com o bem realizado.
A experiência de Jó só encontra a
sua resposta autêntica na Cruz de Jesus, ato supremo de solidariedade de Deus
para conosco, totalmente gratuito, totalmente misericordioso. E esta resposta
de amor ao drama do sofrimento humano, especialmente do sofrimento inocente,
permanece para sempre gravada no corpo de Cristo ressuscitado, naquelas suas
chagas gloriosas que são escândalo para a fé, mas também verificação da fé
(cf. Homilia na canonização de João XXIII e João Paulo II,
27 de Abril de 2014).
Mesmo quando a doença, a solidão e
a incapacidade levam a melhor sobre a nossa vida de doação, a experiência do
sofrimento pode tornar-se lugar privilegiado da transmissão da graça e fonte
para adquirir e fortalecer a sapientia cordis.
Por isso se compreende como Jó, no fim da sua experiência, pôde afirmar
dirigindo-se a Deus: «Os meus ouvidos tinham ouvido falar de Ti, mas agora
vêem-Te os meus próprios olhos» (42, 5). Também as pessoas imersas no mistério
do sofrimento e da dor, se acolhido na fé, podem tornar-se testemunhas vivas
duma fé que permite abraçar o próprio sofrimento, ainda que o homem não seja
capaz, pela própria inteligência, de o compreender até ao fundo.
6. Confio este Dia Mundial do
Doente à proteção materna de Maria, que acolheu no ventre e gerou a Sabedoria
encarnada, Jesus Cristo, nosso Senhor.
Ó Maria, Sede da Sabedoria, intercedei como nossa Mãe por
todos os doentes e quantos cuidam deles. Fazei que possamos, no serviço ao
próximo sofredor e através da própria experiência do sofrimento, acolher e
fazer crescer em nós a verdadeira sabedoria do coração.
Acompanho esta súplica por todos vós com a minha Bênção
Apostólica.
Vaticano, 3 de Dezembro –
Memória de São Francisco Xavier – do ano 2014.
Franciscus