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Reflexão para o XVI Domingo do Tempo Comum- Lucas 10,38-42




O Evangelho deste XVI Domingo do Tempo Comum convida-nos a contemplar mais uma etapa do longo caminho de Jesus rumo à Jerusalém. Como bem sabemos, o caminho apresentado por Lucas não é apenas um percurso a ser alcançado, mas é, sobretudo, lugar de revelação, de catequese, auto-afirmação de sua messianidade e de formação do discipulado. Portanto, cada cena presente entre os capítulos nove e dezenove, os quais apresentam o caminho, tem grande relevância. 

O texto de hoje, Lucas 10,38-42, é bastante conhecido. Trata-se do famoso episódio de Jesus na casa das irmãs Marta e Maria. Porém, ser conhecido não significa necessariamente ser compreendido corretamente, e isso tem sido verificado com as diversas versões interpretativas ao longo dos séculos. Durante muito tempo usou-se esse texto para distinguir a vida contemplativa da ativa e, assim, mostrar a superioridade da primeira sobre a segunda. Marta foi rotulada de ativa demais e Maria de contemplativa e, logo, de modelo para a vida monástica.

Infelizmente, e não é a única vez, a versão litúrgica nos priva da integridade do texto, omitindo a primeira parte do versículo 38: "Enquanto caminhavam". Trata-se de uma omissão prejudicial ao entendimento do texto, pois é o elemento de ligação com a cena anterior e o indicativo do contexto da grande viagem rumo à Jerusalém.

"Enquanto caminhavam, Jesus entrou em um povoado" (v. 38a). A princípio, parece haver um erro de concordância verbal, mas é apenas um detalhe do narrador: estavam caminhando Jesus e seus discípulos, mas somente Ele entra no povoado. Se os discípulos continuaram a viagem sozinhos ou o esperaram, não sabemos. Parece um detalhe sem importância, mas não o é. O primeiro motivo para Jesus entrar sozinho é pelo significado de um povoado no seu tempo. Quer dizer lugar de resistência à novas ideias, sede do conservadorismo e do apego às tradições.

O povo simples e tradicional dos povoados não aceitava a mensagem transformadora e libertadora de Jesus. Logo no início da viagem, Ele tinha sido hostilizado em um povoado dos samaritanos e alguns dos seus discípulos reagiram violentamente, querendo destruí-los com fogo (cf. Lc 9,52-53). Certamente Jesus pensou nisso ao preferir entrar sozinho. Outro motivo foi, sem dúvida, porque Jesus sabia que seus discípulos não compreenderiam o que viria a acontecer naquela casa. E, realmente, foi algo revolucionário!

O primeiro grande absurdo da cena é o fato de que Jesus foi acolhido por uma mulher (v. 38b). No seu tempo, a mulher não tinha autonomia para receber um homem em casa. Esse era papel do homem. Enquanto o homem dava atenção ao hóspede, as mulheres da casa permaneciam na cozinha, preparando o alimento e não ousavam, sequer, saudar o hóspede. Por isso, trata-se de algo novo. Merece destaque o gesto revolucionário de Marta ao acolher Jesus. Ela rompeu barreiras. Por isso, será injusto considerá-la negativamente, como fazem a maioria das interpretações. Antes de tudo, ela foi uma mulher de coragem.

Outra coisa absurda é a atitude da irmã de Marta, Maria: "Sentou-se aos pés do Senhor e escutava a sua palavra" (v. 39). O gesto de sentar aos pés não quer dizer adoração nem devoção, como muitas interpretações afirmavam. Sentar aos pés para escutar quer dizer ser discípulo ou discípula. É aceitar o outro como mestre. Podemos recordar o que Paulo diz em relação a Gamaliel, seu mestre: "Eu sou judeu. Nasci em Tarso, da Cilícia, mas criei-me nesta cidade, educado aos pés de Gamaliel" (cf. At 22,3). Portanto, Maria se torna discípula com essa atitude. Também ela rompe muitas barreiras. Esse papel não era permitido às mulheres. 

É claro que a atitude mais revolucionária é de Jesus: aceita a hospitalidade de uma mulher ao entrar em sua casa e permite que uma mulher sente aos seus pés para ouvi-lo. Com isso, ele rompe com todos os padrões de mestre da sua época. Rabino algum do seu tempo aceitava mulheres no discipulado. Aos poucos, vai ficando claro porque Jesus preferiu que seus discípulos não entrassem com ele naquele povoado. Eles não compreenderiam isso tudo. Sua mensagem ganha adesão também no(s) povoado(s). Por mais que o conservadorismo esteja enraizado, ele pode ser superado. A mensagem de Jesus deve penetrar em todos os lugares. A sua palavra é, de fato, eficaz.

Na continuação da narração, Lucas diz que "Marta estava ocupada com muitos afazeres" (v. 40a), algo normal para uma dona de casa, principalmente tendo que preparar refeição para uma visita. É a imagem da dona de casa disciplinada que não perde tempo para manter a casa em ordem e servir da melhor maneira possível às visitas, principalmente uma tão ilustre como o "Senhor", como ela se refere a Jesus. Por isso, ela pede que Jesus intervenha, pois fazendo tudo sozinha, talvez, não conseguisse preparar a refeição a tempo. Mas, ela pede muito! Pedir que Jesus mande Maria para ajudá-la é pedir que ela saia de seus pés, portanto, é privá-la da condição de discípula. Seria negar um direito conquistado, um ato de emancipação feminina. 

A resposta de Jesus ao pedido de Marta é um dos motivos de maior equívoco nas interpretações convencionais do texto. Na verdade, Jesus não a repreende. Pelo contrário, age com muita serenidade e lhe faz um convite: "Marta, Marta" (v. 41). O nome pronunciado duas vezes não é sinal de reprovação, mas de chamado vocacional. Recordemos alguns casos de vocações na Bíblia em que o chamado de Deus se apresenta com essa fórmula: "E Deus o chamou do meio da sarça. Disse: Moisés, Moisés! Este respondeu: Eis-me aqui" (Ex 3,4b); "Iahweh chamou: Samuel, Samuel!" (1 Sm 3,4); "Saulo, Saulo, porque me persegues?" (At 9,4). 

Marta é chamada por Jesus à condição de discípula. Assim como os discípulos pescadores foram chamados a deixar as redes para segui-lo, Marta é chamada a deixar certas preocupações e, assim como sua irmã, optar pela "parte boa" (v. 42). Ser discípulo ou discípula de Jesus é optar pela liberdade, abrir mão de todas as formas de prisão existentes. Esse chamado é aberto a todos e todas. Foi compreendido por Maria e Jesus o estende também à sua irmã. A própria Marta já tinha dado um grande passo de emancipação ao atrever-se a acolher um homem em sua casa. Faltava mais um, sentar-se aos pés do mestre para ouvi-lo. Fazendo isso, ela estaria escolhendo a "parte boa" e, logo, conquistando a liberdade plena. Esse chamado é dirigido a todos os homens e mulheres de todos os tempos.

Como complemento para nossa reflexão, querermos relacionar o texto de hoje com outro texto evangélico, no qual os mesmos personagens compõem a cena: o episódio da reanimação de Lázaro em João 11. À narração lucana, João acrescenta duas informações importantes: o nome do povoado, Betânia, e a presença de um irmão, Lázaro, na casa das duas irmãs. 

Embora Lázaro não seja mencionado no texto de Lucas, é consenso que, juntamente com Marta e Maria, formava uma família-comunidade. Por sinal, nem em Lucas e nem em João se fala de pai e mãe deles. Diz apenas que eram irmãos. E esse dado é muito importante! Ora, na época de Jesus o pai de família exercia poder absoluto na casa. Na comunidade ideal, marcada pelos valores do Reino, não há espaço para a autoridade porque as relações são caracterizadas pela fraternidade e, portanto, pela igualdade.

Acreditando que Marta respondeu 'sim' ao chamado de Jesus, podemos afirmar que sua família é o verdadeiro retrato da comunidade cristã: todos escutam com atenção ao Mestre e vivem como irmãos, sem relação de poder, mas de igualdade e fraternidade.


Pe. Francisco Cornelio Freire Rodrigues

http://porcausadeumcertoreino.blogspot.com.br/

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