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Reflexão para o Terceiro Domingo do Advento-Lucas 3,10-18 (ANO C)

No terceiro domingo do advento, a liturgia nos apresenta, mais uma vez, a figura de João Batista, profeta importante que anuncia, prepara e até antecipa a missão de Jesus. Neste itinerário catequético-espiritual proposto pelo advento, conhecer a missão e a mensagem de João é, portanto, imprescindível, pois ele se aproxima verdadeiramente de Jesus. Por isso, a liturgia propõe Lucas 3,10-18 como o texto evangélico para hoje. No domingo passado foi feita uma introdução à missão de João: a Palavra de Deus lhe foi dirigida no deserto, nos tempos do imperador Tibério e dos sacerdotes Anás e Caifás (cf. Lc 3,1-2), confirmando as opções de Deus pelas margens e a intolerância com os sistemas de poder vigentes na época; o evangelista afirmava que João pregava um batismo de conversão, apresentando-se como a voz de quem clama no deserto (cf. Lc 3,3-6); citando o profeta Isaías (cf. Is 40,3-5). O conteúdo da pregação de João foi saltado pela liturgia (cf. Lc 3,7-9), mas, pela reação dos seus ouvintes no evangelho de hoje, sabemos repercutiu, causou grandes efeitos em quem o escutou.

Certamente, nem todas as pessoas gostaram da pregação de João, afinal, até de “raça de víboras” ele chamou os seus ouvintes (cf. Lc 3,7); porém, é certo que muita gente se interessou pelo seu ensinamento, percebendo que o modelo vigente de religião, controlado pela hierarquia do templo de Jerusalém, conivente com a dominação romana, já não permitia um encontro verdadeiro com Deus; o templo tinha se transformado em mercado, como Jesus vai denunciar em seu ministério. Por isso, muitas pessoas que escutaram, interessadas em conhecer mais, o procuraram, perguntando “o que devemos fazer?”, para assimilar melhor o novo jeito de relacionar-se com Deus. A curiosidade dessas pessoas mostra a decadência da antiga religião e como os caminhos estavam, realmente, sendo aplainados para a vinda do Senhor ao encontro da humanidade. O evangelho de hoje apresenta a reação de três grupos de ouvintes da pregação de João, e as respostas concretas do próprio João a esses grupos. Assim, de uma pregação ampla e generalizada, João passa a uma mais particularizada, de acordo com as situações específicas de quem lhe procurava.

Olhemos, então, para o texto: “As multidões perguntavam a João: ‘Que devemos fazer?” (v. 10). Supõe-se que se trate de um grupo amplo e diversificado, mas composto majoritariamente por gente simples e pobre, como as multidões que seguirão Jesus na sequência do evangelho. A pergunta reflete um sincero desejo de acolher a proposta de conversão proposta por João para entrar na nova dinâmica da salvação. É surpreendente a resposta de João: “Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem; e quem tiver comida faça o mesmo!” (v. 11); ora, ele estava anunciando um batismo de conversão e, na época, o que os líderes religiosos exigiam como sinais de conversão era o jejum, a intensidade na oração, a penitência, a oferta de sacrifícios no templo, uma solene profissão de fé e, por último, a esmola. A resposta de João é uma novidade para as multidões, embora esteja alinhada à pregação dos profetas do Antigo Testamento, mas que tinha sido ofuscada pela hierarquia sacerdotal interessada em lucrar às custas dos sacrifícios oferecidos no templo. Alimento e vestimenta são necessidades básicas de cada pessoa, coisas do cotidiano, e conversão é algo concreto, diz respeito ao modo de gerir a vida e a relação com o próximo; assim, é convertido quem não pensa em acumular e partilha com o próximo, não o que lhe sobra, mas o que o próximo necessita. João parte do que é mais simples: roupa e alimento, para mostrar que a partilha é indispensável, até mesmo para os que tem pouco.

Na sequência, o texto apresenta, de modo surpreendente, membros de dois grupos específicos também sedentos de conversão e interessados pela proposta de João: cobradores de impostos e soldados (cf. vv. 12-14). É claro que nem todos os cobradores de impostos e soldados estavam ali, mas é importante perceber a presença e o interesse de membros desses dois grupos pela pregação de João. Ambos os grupos, eram colaboradores diretos da administração romana e, por isso, muito mal vistos pelo povo, inclusive excluídos da religião, principalmente os cobradores de impostos; somente Lucas apresenta esses grupos interessados em conversão, o que reforça a sua teologia de universalidade da salvação: ninguém é excluído pela condição social, étnica ou religiosa; a salvação é oferecida a toda a humanidade, e não a grupos privilegiados específicos. No decorrer da sua obra, Lucas vai mostrar a salvação sendo acolhida por cobradores de impostos e soldados (cf. Lc 5,27-39; 19,1-10; At 10,1-48).   

A pergunta dos cobradores de impostos e dos soldados é a mesma das multidões: “O que devemos fazer?”; na verdade, essa pergunta funciona como um refrão neste trecho do evangelho, e como um convite do evangelista aos seus leitores de todos os tempos para também se perguntarem sobre o que se deve fazer para viver o Evangelho e fazer o Reino de Deus acontecer; todos tem responsabilidade e podem colaborar nesse processo.  Também dos cobradores de impostos, João não exige penitência nem sacrifícios, mas apenas justiça: “Não cobreis mais do que foi estabelecido” (v. 13). Por serem representantes do opressivo sistema de dominação romano, os cobradores de impostos eram automaticamente mal vistos; os impostos que Roma cobrava já eram bastante altos, além disso, os cobradores ainda exigiam quantias maiores do que as estabelecidas, assim, além do salário, ainda lucravam com a exploração, pois o que cobravam acima dos valores legais ficava para si; eram corruptos e ladrões profissionais. A resposta de João a eles também é surpreendente: basta fazer agir corretamente. Não deviam abandonar a profissão, pois dependiam dela para sobreviver; deviam, no entanto, exercê-la com justiça e ética.

As exigências aos soldados tem o mesmo sentido: “Não tomeis à força dinheiro de ninguém, nem façais falsas acusações; ficai satisfeitos com o vosso salário!” (v. 14); também a eles, João não pede penitência nem que abandonem a profissão, mas exige que a exerçam com justiça, retidão e sem violência. Muitas vezes, os soldados trabalhavam juntos com os cobradores de impostos, talvez por isso Lucas tenha recordado e mencionado os dois grupos em paralelo; como os cobradores exageravam nas taxas, cobrando além do estabelecido, muitas pessoas se recusavam a pagar e, diante disso, os cobradores pediam ajuda aos soldados, tomando o dinheiro à força, e depois repartiam entre si o valor excedido. Havia abuso de poder, corrupção generalizada e conivência entre os dois grupos. De todo o aparato administrativo, os cobradores de impostos e os soldados eram os que estavam diretamente em contato com o povo, por isso eram muito rejeitados e, sem dúvidas, davam muitos motivos para isso. Eram totalmente excluídos pela religião, inclusive o templo tinha seus próprios guardas, porque os soldados romanos eram considerados impuros e não podiam entrar lá.

A expectativa pela chegada do messias era muito grande, inclusive muitos pregadores, vez por outra, se apresentavam como tal; por isso, muitos se perguntavam se João não seria o próprio messias (cf. v. 15), até pela novidade da sua pregação. De acordo com o evangelista, o próprio João esclareceu não ser ele o messias: “Eu vos batizo com água, mas virá aquele que é mais forte do que eu. Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias. Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo. Ele virá com a pá na mão: vai limpar sua eira e recolher o trigo no celeiro; mas a palha ele a queimará no fogo que não se apaga” (v. 16-17). Esse esclarecimento era muito necessário, tanto para os ouvintes diretos da pregação, quanto para a comunidade do evangelista e os futuros leitores de sua obra, como nós; o próprio Lucas registra, em seu outro livro (os Atos dos Apóstolos) que o batismo de João continuava sendo realizado como se fosse o batismo cristão, pois as pessoas não compreendiam a diferença, e isso gerava confusão em algumas comunidades, como Éfeso, por exemplo (cf. At 19,1-7). Por isso, a necessidade de fazer a distinção com o uso de imagens tão fortes.

A referência ao gesto de desamarrar as sandálias é uma alusão a Israel como esposa e Jesus como o noivo que vem ao seu encontro; por isso, não se trata de uma lição de humildade de João. Aqui, ele cita a lei judaica do levirato: tirar a sandália era um rito que significava apropriar-se do direito de tomar a mulher (viúva) como esposa, para lhe dar descendência (cf. Dt 25,5-10; Rt 3,5-11). Assim, João deixa claro que não é ele o esposo, porque essa missão não lhe compete. O direito de fecundar Israel é exclusivo de Jesus, para tornar novamente fértil aquela esposa explorada e tornada estéril pela elite sacerdotal de Jerusalém e pelo poder romano. O batismo de João, com água, era apenas um sinal, um alerta sobre o tempo novo que estava por vir; batismo por excelência é o de Jesus, com o Espírito Santo; esse batismo é definitivo, é o cumprimento de profecias e condição para Israel e toda a humanidade voltar à condição de povo de Deus (cf. Ez 36,24-28), e ao mesmo tempo sinal de universalização da salvação: o Espírito Santo, como superação e substituição da Lei, dará condições, ao ser acolhido, para que todos os povos sejam contemplados com a libertação inaugurada por Jesus. O uso das imagens da pá e do fogo não é de julgamento, mas significa a força da mensagem de Jesus; a ele não interessam as aparências, mas somente os frutos; assim como só fica o trigo no celeiro, só pertence ao Reino quem vive segundo a justiça e o amor; a palha a ser queimada é a injustiça, a indiferença, o orgulho, a ambição e todos os males que afetam a dignidade humana. O “fogo que não se apaga” não é sinal de condenação, significa a falta de sentido para a existência, como é a vida de quem não faz opção pelo Reino.

Conclui o evangelista, que “ainda de muitos outros modos, João anunciava ao povo a Boa-Nova” (v. 18). Aqui Lucas reforça que a pregação de João constituía também uma boa notícia, como será a de Jesus. Essa boa notícia era, sobretudo, a possibilidade cada pessoa se relacionar com Deus sem depender das imposições da religião judaica; para fazer parte do Reino de Deus não depende da autorização de um sistema religioso, mas da atitude interior e decisão pessoal de cada um e cada uma que descobriu “o que é preciso fazer”. É importante perceber e recordar que a nenhum dos grupos que o procuram, João pediu para se tornarem pessoas mais religiosas e devotas; pediu apenas que se tornassem pessoas melhores, se solidarizando com o próximo e praticando a justiça. A religião só tem sentido se nos ajudar a fazer isso!

Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN

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