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CARTA ABERTA DO PADRE WALTER AOS PAROQUIANOS DE SANTA LUZIA


ENTREGA DO NOVO PÁROCO À PARÓQUIA DE SANTA LUZIA
“O Senhor precisa dele” (Lc. 19,31c)

Num oásis escondido numa das mais longínquas paragens do deserto encontrava-se o velho Eliahu, de joelho, perto de algumas palmeiras de tâmaras.
O seu vizinho Haquim, um endinheirado negociante, deteve-se no oásis para descansar os camelos, e viu o velho Eliahu, suando, enquanto cavava a areia.
Curioso e intrigado com aquilo, cumprimentou o velho e lhe perguntou o que estava fazendo.
O velho Eliahu, sem abandonar sua tarefa, respondeu que estava plantando tâmaras.


– Tâmaras? – perguntou o recém-chegado. E fechou os olhos, sorrindo como quem escuta a maior besteira do mundo – Mas me diga, meu velho, quantos anos o senhor tem?
– Setenta, oitenta – respondeu o ancião – nem sei mais! Mas isso o que importa?
– Amigo – retomou o negociante – as tâmaras demoram muito em crescer: mais de 50 anos para dar frutos! Não lhe desejo que o senhor morra cedo, queira DEUS o senhor viva mais de 100 anos, mas é impossível o senhor colher o que está plantando hoje!!!
– Olha, Haquim – retrucou o velho – eu comi das tâmaras que alguém plantou e com certeza esse alguém não se perguntou se ele mesmo iria ou não comer das tâmaras! Eu planto, hoje, para que outros possam comer, amanhã, as tâmaras que eu estou plantando. E nem que seja em consideração a estes desconhecidos, acho que vale a pena terminar a minha tarefa.
– O senhor me deu uma baita lição, meu velho – disse o comerciante, admirado com a sabedoria do ancião – deixe que o pague por esta lição valiosa! – E colocou na mão do velho amigo um saco de moedas.
– Muito obrigado por sua generosidade, amigo! – exclamou Eliahu – Você estava certo de que eu não chegaria a colher o que estou plantando; parecia lógico, no entanto, ainda não acabei de plantar e já colhi um saco de moedas e a gratidão de um amigo!
– Realmente sua sabedoria me deixou de boca aberta, meu velho! – diz cada vez mais admirado Haquim. – Esta é a segunda grande lição que o senhor me passa, e talvez seja ainda maior do que a anterior. Vou lhe pagar também por esta lição com mais um saco de moedas.
– Veja só – prossegue o velho, segurando um saco de moedas em cada mão – plantei sem imaginar de colher, e, antes mesmo de acabar de plantar, colhi não uma, mas duas vezes!
– Chega, meu velho, tá bom assim! – exclamou o negociante rindo a beça – se você falar mais, toda a minha riqueza não vai dar para retribuir toda a sua sabedoria!
Honestamente, se a gente entende e concorda com a estória e se quisermos ser justos, não podemos comer a fruta, sem pensar na pessoa que plantou a árvore. Corrijo: nas pessoas...

Como não lembrar Monsenhor Américo Vespúcio Simonetti e Mons. Huberto Brüning, só para citar os que conheci pessoalmente?


O trabalho do Missionário, do Pastor, do Profeta não é o de plantar para ele mesmo colher. JESUS já havia avisado: “Pois nisto é verdadeiro o provérbio: Um é o que semeia, outro, o que colhe. Eu vos enviei a colher o que não trabalhastes. Outros trabalharam e vós aproveitastes o trabalho deles”. (João, 4,37-38). E São Paulo lembra: “Eu plantei, Apolo regou, mas era Deus que fazia crescer”. (1Cor. 3,6).
Pois é: eu estou aqui, muito dignamente, para colher o que, com a graça de DEUS, os antecessores plantaram. E, dando certo, vou também semeando para o Reino de DEUS.
Estou consciente da responsabilidade que recai sobre meus ombros. Imbuído de profundo reconhecimento ao Senhor pela prova de confiança com que me distingue neste dia, recebo das mãos de Dom Mariano a responsabilidade do pastoreio desta Paróquia de Santa Luzia.
Chama-se oficialmente e comumente de “POSSE” esta investidura e a própria cerimônia. Mas, apesar de ser este mesmo o termo consagrado pelo uso habitual da palavra, prefiro falar em entrada, introdução, admissão, investidura. A palavra “posse” insinua o conceito de “poder”, de “possuir”, quando, na verdade, é uma missão, uma incumbência que deve ser assumida com espírito de serviço...

O padre Walter não vai tomar posse da Paróquia; é a Paróquia que vai tomar posse do padre Walter. De fato, a partir de hoje minha vida, meu tempo, meu esforço, meu trabalho, minha dedicação vai pertencer a vocês. Não foi por acaso a escolha do título desta carta aberta aos paroquianos “ENTREGA DO NOVO PÁROCO À PARÓQUIA DE SANTA LUZIA”. Na verdade Dom Mariano não está entregando a Paróquia de Santa Luzia ao padre Walter; está entregando o padre Walter à Paróquia de Santa Luzia.

E se você tiver a curiosidade de procurar o contexto da citação no cabeçalho desta folha (Lucas, 19,31c) “O Senhor precisa dele”, perceberá que o que eu me proponho é apenas de ser um instrumento nas mãos divinas. Eu fico feliz em saber que DEUS quis e quer “precisar” de mim. Mas, se eu me sinto como o jumentinho que carregou JESUS na entrada de Jerusalém, não fico vaidoso, imaginando equivocadamente endereçados a mim, as palmas e os gritos de “Hosana!”.
Perguntaram-me se, constatando os frutos de 36 anos de presença em Martins, eu não sentia alegria e satisfação. Respondi que eu sentia a mesma alegria e satisfação que sente uma ferramenta ao ver o trabalho que a mão realizou! DEUS é quem realiza! Afinal quem é que toca no concerto? O instrumento ou o músico? Na verdade um precisa do outro. Assim também o ESPÍRITO SANTO e o que ele escolheu são o tocador e o instrumento. O instrumento não toca sozinho! E, além do mais, o resultado final, a sinfonia, é colaboração conjunta de muitos instrumentos. Por isso eu aprecio mais o coral do que o solo. Foi assim em Martins. Penso que não será diferente em Mossoró, onde a confiança do atual “regente” da “Orquestra Diocesana”, Dom Mariano, me destinou.
Confesso para vocês que foi um pouco difícil e penoso ter que sair de Martins depois de tantos anos de presença e de serviço naquela Paróquia. Mas sei que quando Deus apaga é porque vai escrever alguma coisa. E sei também que DEUS nunca nos dá incumbências e tarefas maiores do que nossas forças de realizá-las.
Apesar de ser ainda um aprendiz, porque o ser humano é sempre um novato em cada experiência diferente que enfrenta, espero poder aproveitar algo destes 36 anos em que assimilei muitas lições da vida. Aprendi, por exemplo, que:

O ESPÍRITO SANTO chega sempre pelo menos 5 minutos antes de nós!
No jardim crescem mais coisas que as que o jardineiro semeou.
Às vezes encontramos CRISTO lá onde pensávamos que tínhamos que levá-lo.
Não devo fazer o que os outros não fazem hoje, mas que farão quando eu for embora.
Nenhum de nós, individualmente, é tão bom quanto todos nós juntos.
Nosso sonho, antes de ser nosso, deve ser sonho de Deus.
Qualquer pessoa pode contar as sementes da laranja, mas ninguém pode contar as laranjas da semente!
A Paróquia é uma família de famílias, uma comunidade de comunidades.
Precisa evangelizar-se para evangelizar.
Os outros poderão crer ao amor de JESUS CRISTO só se puderem acreditar no amor dos que o anunciam
Só mesmo Deus pode fazer tudo certo; o máximo que nós podemos fazer é não errar tudo.
Toda noite, na hora de ir dormir devo poder dizer tranqüilamente ao Senhor: “Senhor, amanhã me trate como eu tratei hoje os outros!”
Melhor fazer o que podemos fazer, aproximadamente agora, do que exatamente nunca.
O que importa saber não é quantos vão à Missa, mas como saem de lá os que vão!
Se souber escutar, a gente pode sempre aproveitar algo até dos que falam mal da gente.
Pensar em fazer grandes coisas, pode ser o melhor pretexto para não fazer as pequenas.
O melhor marceneiro não é o que produz mais pó de serra.

Vocês devem estar curiosos para conhecer melhor o padre Walter. Quem é o padre Walter? Eu adianto para vocês: eu conheço o padre Walter há 64 anos, e para vocês não se decepcionarem posteriormente com ele, não pensem que é tudo aquilo que dizem dele, não!

No Boletim da Paróquia “O semeador” deve ter sido publicada uma entrevista, que, devido à extensão – foram 20 perguntas – não sei se coube todinha. Aí vocês tem uma amostra do dito cujo...
Dizem que a primeira impressão é a que fica. E eu estou aqui sem saber se devo mesmo me preocupar com isso. Penso: Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos muito bem! (Isso vale de lá para cá e de cá para lá!). Penso também que o bom (olha a presunção!) não é bom onde o ótimo é esperado. E se for apenas sofrível? Olhe, eu estou sendo tentado de dizer logo uma dúzia dos meus defeitos... acho melhor do que vocês descobrirem-nos! Não! É melhor resistir a essa tentação. Eu posso parecer uma pessoa ingênua e falar como uma pessoa ingênua; mas não se deixem enganar: eu sou mesmo uma pessoa ingênua!
Agora, vocês tem uma vantagem a respeito dos paroquianos de Martins: eles tiverem que me aturar por 36 anos. Vocês, no máximo, vão me agüentar só por 11 anos, quando alcançarei, se não morrer antes, a idade canônica para entregar a Paróquia ao senhor Bispo. (Se eu ficasse 36 anos aqui também, completaria exatamente os 100!)
Quais são as expectativas, os projetos, os sonhos, os propósitos do novo pároco?
Acredito que o melhor lugar do mundo é sempre onde o Senhor nos quer. É por amor e obediência a esta Igreja que a sirvo onde DEUS me chama. Eu amo todas as Igrejas, mas estou apaixonado pela minha Igreja Católica e tenho o orgulho de pertencer a essa bimilenária instituição humano-divina. Tenho prazer de estar neste barco de Pedro, com a certeza absoluta de que, mesmo frágil, até com algum defeito e sacudido pelas procelas, mesmo assim e apesar de tudo isso, nunca poderá ir a pique, sucumbindo á prepotência do mar!
Pensei de seguir o conselho da placa avisando a passagem da linha do trem: Pare. Olhe. Escute. Preciso conhecer. Conhecer para amar. Quero conhecer os “funcionários”, os agentes pastorais e animadores voluntários, os trabalhos pastorais, as famílias, as pessoas sofridas, os doentes, os anciãos, as crianças, os adolescentes e jovens, os casais, os simpatizantes da Igreja, os amigos, os afastados, os desistentes da vida... Preciso conhecer os pontos fortes e os pontos fracos, as conquistas, os recursos humanos e os meios disponíveis. A embarcação sei que está muito boa! Mas o marinheiro de primeira viagem vai ter que melhorar. Já que o grande timoneiro, Mons. Américo já se foi, preciso ouvir bastante o Padre Flávio que assumiu interinamente a Paróquia. Mas com certeza não vou fazer como a moça que não sabe dançar e diz que é a orquestra que não sabe tocar.
Acreditar em Deus é fácil; o difícil é acreditar que Deus acredita em nós! Mesmo assim estou ansioso por começar o trabalho porque quando DEUS não escolhe os preparados, prepara os escolhidos! E tenho motivos pessoais para sentir-me feliz e motivado em pastorear esta Paróquia: foi nesta catedral que fui ordenado sacerdote 36 anos atrás; Santa Luzia é minha conterrânea; inclusive acredito que devo à intercessão dela se, apesar de uma visão deficiente, ainda enxergo o suficiente para dar conta do trabalho pastoral; e por isso mesmo preciso ainda dos favores dela.
Então, estou aqui. Bendito seja o Nome do Senhor, agora e para sempre.


A Paz e o Amor de Cristo a todos!


Pe Walter Collini

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