Pe. Zezinho fala dos caminhos trilhados por padres cantores e afirma: religião rima com opção O multifacetismo de padre Zezinho impressiona a carreira de qualquer artista. Na década de 60, introduziu a música na maneira de evangelizar. Logo ganhou notoriedade mundial. Conheceu 55 países. No Brasil, trouxe ritmos até então desconhecidos como o country e o reggae, mesmo na sacristia. E lá estavam guitarras elétricas na missa, para espanto e admiração de fiéis e da mídia. Suas canções se tornaram verdadeiros hinos da igreja católica.
São 45 anos de pregação. Afora uma discografia monumental – talvez a maior da música brasileira –, padre Zezinho escreveu mais de 100 livros, montou grupos teatrais e em 2010 filmará um média-metragem de 45 minutos. O título Meu Irmão Crer Diferente advém das amizades de outras religiões e seguidores que o padre angariou durante décadas de sacerdócio. “O mundo não aprendeu a discordar: parte pra briga em vez do diálogo. Nós perdemos a noção do diálogo”, diz.Aos 68 anos de idade e reconhecimento mundial, padre Zezinho se mostra ainda uma pessoa humilde e moderna. Desde os tempos em que formou grupos de reflexão durante o período da ditadura até a época do culto às celebridades, o padre mantém a mesma linha mestra do evangelho, adaptado à época. O cachê cobrado gira em torno de R$ 8 mil a R$ 10 mil por show. Na última apresentação na capital potiguar, nas comemorações dos 100 anos da Diocese de Natal, cobrou R$ 25 mil.“Quem aprendeu comigo não precisa ser religioso, tem que ser bom; tem de gostar de gente. Ainda colho os frutos hoje. Cantores populares, celebridades de hoje em dia ainda me ligam para agradecer a influência que pude dar. Poderia ser um deles: convites nunca faltaram. Mas prefiro andar sem aparatos de segurança, livremente e continuar sendo quem sou”, afirma.
Entrevista –
Padre ZezinhoO senhor foi pioneiro na evangelização pela música no mundo. Depois de mais de 40 anos, o que mudou?
Digamos que fui um dos pioneiros. Naqueles trens de 140 vagões, fui umas das cinco locomotivas. Apareci mais porque não havia ninguém que fizesse esse tipo de comunicação em minha época. Comecei algo novo. Foi um risco; um acidente que deu certo.
Acredita que nada foi desvirtuado?
Deixa eu falar uma expressão para todos entenderem: a comunicação é como uma bússola: todas caminham para o Norte, mas o caminho cada um faz o próprio. Então, o indivíduo revela quem ele é pela comunicação que ele faz. A igreja não ordena tijolos iguais. Ela ordena pessoas. Cada comunicador é diferente. As linhas mestras eu ensino no meu curso, que se chama Prática e Crítica da Comunicação.
As diferenças são até salutares, mas o desvirtuamento das diretrizes, não. Então, repito: nada foi desvirtuado?
Há jornalistas ousados que trabalham com seriedade, e se tem os apressados, que publicam qualquer notícia inverídica. Então, é preciso ter critérios: quem usa a notícia como serviço e quem a usa como interesse. A mesma coisa na religião. É preciso ver quem pratica a comunicação religiosa e quem a pratica com outros interesses. Isso acontece em todas as religiões. Já havia no tempo de Jesus. E é o indivíduo quem decide o rumo que quer tomar. São Paulo fala isso de uma maneira muito linda: “Temos um tesouro numa bancada em vasos de barro”. Nós somos frágeis perante a verdade. A verdade é maior que nós. Você, jornalista, sabe disso. Às vezes só conseguimos carregar uma parte da verdade. É aí que está o perigo.
São Paulo é cheio de metáforas. O senhor parece gostar desse método, também...
São Paulo foi uma pessoa culta, inteligente; um comunicador fantástico.
A religião que mais cresce hoje seja talvez os “sem religião”: aqueles que crêem em Deus, mas não segue preceitos religiosos. A que o senhor atribui isso?
O mundo atravessa um surto de individualismo absurdo. Perdeu-se o gosto pelo coletivo. O Eu está triunfando sobre o Nós. Isto leva ao aprisionamento dos outros em função da vitória pessoal. Aplicado na religião ou na arte, você tem o mito. Quando o mito vira ídolo, não se tem mais religião nem arte. As pessoas só ouvem ou apreciam aquele mito. E não abre mão de seu atleta e diminui todos os outros. “Onde há Eu demais, há Deus de menos”. Uma vida de menos, comunidade de menos, um país de menos. É isto que acontece no mundo. Nos anos 40, um sujeito chamado Hitler virou ídolo e triunfou na Alemanha. E nós vimos no que deu.
Qual a necessidade da religião nos tempos de hoje? Por que o intermédio da religião para se chegar a Deus?Joseph Campbell escreveu um clássico chamado O Poder do Mito. Karl Armstrong, escreveu Uma História de Deus – outro clássico. E eles põem o dedo na ferida. Dizem que eu não posso decidir sobre a minha felicidade sem ser relacional. O ser humano precisa da relação com a família, amizades, trabalho e de fé. Por isso, os dois ethos: consumo e divertimento, e produção e trabalho, nos tornam pessoas coletivas. Isso explica que, na hora de crer, não dá para crer sozinho. Mais cedo ou mais tarde vai se precisar da experiência do outro: aquele que tem 80 anos, daquele que tem 28 anos e já viveu muito, daquele que foi lá no deserto orar, ou aquele que criou uma ONG motivado pela fé. A experiência de fé dos outros melhora a sua. A religião é essa experiência comunitária que enriquece a experiência pessoal. Não basta comunidade; não basta a fé sozinha. Minha cura e minha fé são partilhadas. Por isso escrevo, canto e aceito o ensinamento de outros. E nisso estão muitos que construíram grandes obras motivados pela fé: Irmã Dorothy, Dom Paulo Evaristo Arns, Papa Bento, João Paulo II, Francisco de Assis... A experiência deles é riquíssima.
Qualquer pessoa não poderia aceitar e admirar a vida que São Francisco levou sem precisar dos rituais religiosos para se chegar a Deus?
A religião começa pela admiração. Você admira Deus, admira a fé de outros e um dia você entra na encruzilhada: sigo o meu caminho ou sigo com eles? Não se pode ser religioso à força. Você é convidado a crer junto. Com os muçulmanos é a mesma coisa. Religião rima com opção.
As composições e livros escritos partem de quais visões e inspirações?
Sou multifacético. Conheço 55 países. Estudei fora. Falo seis línguas. E são 45 anos de pregação. Guardo tudo no computador da memória. Faço como Maria que guardava tudo no coração. Então, são muitos subsídios. Mas sou contemplativo. A pessoa pode ser contemplativa no monastério ou na cidade grande. Prefiro estar no meio das pessoas.
O senhor citou Maria. Porque ela é tão ausente da Bíblia?
Porque a Bíblia tem um objetivo: contar a história de Jesus. Em Israel, as coisas eram contadas a partir de uma sociedade masculinizada. Então, Maria é citada como autoridade sobre Jesus e parceira de Jesus. Maria esteve com ele do berço ao túmulo.
O senhor deve ter tomado conhecimento da polêmica criada com o Padre Fábio a partir do valor do cachê cobrado. Qual sua opinião a respeito?
Sou suspeito para falar porque fui professor dele. Tem 18 bispos que estudaram comigo e mais de 500 padres que passaram pelo meu curso de Comunicação. E nós temos um trato: depois de aprovados não digo a eles o que devem fazer. Se quiserem conversar, conversamos, como qualquer professor universitário faz com seu aluno ou ex-aluno.
São 220 mil reais de cachê. Pelo que li, o senhor costuma cobrar menos de 10 mil, mesmo com mais de 40 anos de serviços prestados, um trabalho pioneiro e reconhecido no mundo. O senhor disse que respeita as opões e o caminho de cada um. Mas o senhor não acha que há uma linha racional a separar a celebridade do padre?
Ponha uma frase para não correr o risco de eu ser deturpado: Há 45 anos tento não esquecer que sou filho de pai e mãe paralíticos. Se eu perder a noção de pobreza, perco a noção de mim mesmo. Por isso, eu decido onde vou, onde canto e com quem eu canto.
Fonte: Diário de Natal