A liturgia deste décimo primeiro domingo do tempo comum propõe, para o Evangelho, o texto de Marcos 4,26-34, o qual contém duas pequenas e importantes parábolas sobre a realidade misteriosa do Reino de Deus. A primeira parábola apresenta o Reino sendo comparado a uma semente, não especificada, que cresce sozinha, e a segunda compara o Reino a um grão de mostarda. Por conhecer bem a realidade de seus espectadores, Jesus procurava imagens do cotidiano para ilustrar a sua mensagem. A primeira parábola é exclusiva do Evangelho segundo Marcos, enquanto a segunda consta também em Mateus (cf. 13,31-32) e Lucas (cf. 13,18-19).
O quarto capítulo do Evangelho segundo Marcos é marcado pela presença de uma série de parábolas sobre o Reino de Deus, que visam responder a uma situação de inquietação e crise vivida pela comunidade dos discípulos, inicialmente, e pela comunidade do próprio evangelista, mais tarde. É importante recordar que o capítulo terceiro, como refletimos no domingo passado (cf. Mc 3,20-35), fora concluído com duas situações de desconforto para Jesus e, consequentemente, para os seus discípulos: a calúnia dos mestres da lei, de que Jesus estava endemoniado (cf. 3,22-30), e a incompreensão dos seus familiares, acusando-o de estar louco, ou seja, fora de si (cf. 3,20.31-35). Sem dúvidas, essas situações repercutiram também na vida dos discípulos, gerando uma crise na comunidade.
A credibilidade de Jesus e de sua mensagem fora posta em dúvidas. Ora, os discípulos primeiros tinham deixado família, trabalho e bens, pensando em algo melhor para suas vidas, inclusive esperando sucesso, fama e poder. Aos poucos, perceberam que estavam seguindo a uma pessoa que a religião oficial condenava (os mestres da lei o acusaram de estar endemoniado) e nem os seus familiares o levavam a sério. Paralelo às desconfianças dos discípulos, também Jesus percebia as contradições e incompreensões neles: eles sonhavam com poder e força, queriam construir um sistema de dominação semelhante às grandes potências da terra, algo que nada tinha a ver com o seu projeto de Reino, ou seja o Reino de Deus.
Algumas décadas mais tarde, também na comunidade de Marcos surgiram problemas semelhantes. A comunidade era perseguida por todos os lados: pela dominação romana e pelo judaísmo oficial, a ponto de parecer diminuir a cada dia, ao invés de crescer, como esperavam que acontecesse; isso causava desânimo, desconfiança e impaciência, com fortes tendências à desistência, pois não se viam resultados nem efeitos imediatos gerados pela pregação e a forma de vida cristã. O evangelista respondeu à crise da sua comunidade recordando a resposta de Jesus, outrora, aos primeiros discípulos: é necessário ter paciência, humildade e confiança na força da Palavra. As parábolas do Evangelho de hoje são a síntese dessa resposta.
Mesmo tendo a multidão como auditório, como afirma o texto, o público alvo das parábolas é o grupo dos discípulos, ainda confusos com os últimos acontecimentos, e a comunidade cristã de todos os tempos. Como o Reino de Deus não pode ser comparado com nenhum sistema de organização social até então experimentado, Jesus o comparava com elementos da natureza, privilegiando a imagem da semente: “O Reino de Deus é como quando alguém espalha a semente na terra. Ele vai dormir e acorda, noite e dia, e a semente vai germinando e crescendo, mas ele não sabe como isso acontece” (vv. 26-27). O Reino de Deus (em grego: h` basilei,a tou/ qeou/ – hé basileia tú Theú) proposto por Jesus não é um consolo para o pós-morte, mas um projeto de vida e de sociedade para ser implantado já nesse mundo, com novas relações conduzidas pelo amor, a justiça, a solidariedade e a igualdade, sem nenhum sinal de grandeza ou poder.
Os discípulos ainda cultivavam a ideologia nacionalista, sonhando com a restauração do reino davídico-salomônico, um projeto de poder que visava a dominação de Israel sobre as outras nações e, por isso, tinham muita dificuldade de aceitar a proposta inovadora de Jesus. Ao comparar com uma semente jogada na terra, Jesus mostra a simplicidade e, ao mesmo tempo, a complexidade do Reino de Deus. Por mais que os discípulos colaborem, afinal são eles que devem lançar a semente, o mérito nunca será deles, mas sempre da força da Palavra, a semente na parábola: “A terra, por si mesma, produz o fruto: primeiro aparecem as folhas, depois vem a espiga e, por fim, os grãos que enchem a espiga; quando as espigas estão maduras, o homem mete logo a foice, porque o tempo da colheita chegou” (vv. 28-29). Na construção do Reino de Deus, competem duas atividades ao ser humano: plantar e colher. O processo de desenvolvimento da semente é próprio e autônomo, não pode ser manipulado por ninguém.
A terra na parábola é a consciência e o coração de cada pessoa que recebe o anúncio da Palavra. Há uma fase da semeadura que não está ao alcance do agricultor: o desenvolvimento da semente embaixo da terra; é algo invisível e misterioso que requer paciência e cuidado. Por mais competente que seja o agricultor, a qualidade dos frutos será sempre mérito da semente. Assim é a Palavra na vida das pessoas: a comunidade não pode cobrar respostas imediatas, nem moldar as pessoas; cada um e cada uma tem seu jeito próprio de fazer a Palavra germinar dentro de si. À comunidade, cabe a paciência e o discernimento para reconhecer o tempo de plantar e o tempo de colher.
Ao continuar sua apresentação do Reino de Deus, Jesus interage com o seu auditório, com uma pergunta retórica para prender a atenção dos ouvintes:“Jesus continuou: “Com que mais poderemos comparar o Reino de Deus? Que parábola usaremos para representa-lo?” (v. 30). É importante reforçar que o Reino de Deus é indescritível porque ainda não foi completamente experimentado, por isso, só pode ser comparado, jamais descrito. E o gênero literário da parábola (em grego: parabolh/| – parabolé) significa exatamente isso: comparação, analogia; é a explicação de uma realidade desconhecida tomando uma imagem conhecida como comparação.
Após a pergunta, eis que Jesus apresentou a parábola conclusiva da série: “O Reino de Deus é como um grão de mostarda que, ao ser semeado na terra, é a menor de todas as sementes da terra” (v. 31). Com essa parábola, Jesus responde aos projetos de grandeza e poder alimentados pelos seus discípulos de outrora e pela comunidade cristã em todos os tempos. Ora, diante da força e poderio do império romano e da estrutura da religião judaica, com sinagogas espalhadas em todos os lugares, o projeto de Jesus era praticamente invisível e parecia não causar efeito algum no mundo. Para os discípulos, alguns movidos por ambições pessoais (cf. Mc 10,35-45), era difícil compreender e aceitar aquela situação. Por isso, Jesus apresentou essa parábola, e o evangelista recordou à sua comunidade.
O grão de mostarda era o menor grão conhecido até então. Com essa imagem, Jesus afirma que a comunidade precisa aceitar a condição de pequenez em que se encontra, e deve reconhecer essa pequenez como necessidade para compreender a dinâmica do Reino. Esse, o Reino, não pode impor-se por sinais de grandeza nem de espetáculo. O importante é que esse seja cultivado, mesmo como uma semente pequena, e colocar-se no mundo para servir, como acontece com o grão de mostarda: “Quando é semeado, cresce e se torna maior do que todas as hortaliças, e estende ramos tão grandes, que os pássaros do céu podem abrigar-se à sua sombra (v. 32). Mesmo em seu máximo crescimento, a planta que brota de um grão de mostarda é sempre uma hortaliça, alcançando no máximo três metros de altura, jamais será uma árvore imponente ou atraente pela beleza.
A comunidade cristã não pode almejar triunfos nem apoteoses. Como embrião do Reino de Deus, a comunidade cristã deve ter somente a pretensão de servir: oferecer sombra e abrigo para quem necessitar, como o pé de mostarda abriga os pássaros com seus ninhos. Mesmo em seu máximo desenvolvimento e cumprimento, o Reino de Deus será, aparentemente, sempre tímido, porque não pode ser edificado sob os mesmos alicerces dos pseudo-reinos deste mundo. Nele, o que menos importa é a aparência, como deve ser na comunidade cristã. O que deve preocupar os seguidores e seguidoras de Jesus é se, de fato, estão sendo sombra e abrigo para os mais necessitados, mesmo no anonimato e na simplicidade. Comparada aos decretos imperiais e às leis religiosas impostas pelos escribas, a pregação simples de Jesus parecia insignificante. Passados anos e décadas, a história reconheceu a sua força e eficácia, através do testemunho de tantos cristãos e cristãs que tornaram o mundo diferente, mais humano e convivial.
A sequência de parábolas é concluída com um importante e sintético enunciado: “Jesus anunciava a Palavra usando muitas parábolas como estas, conforme eles podiam compreender. E só lhes falava por meio de parábolas, mas, quando estava sozinho com os discípulos, explicava tudo”(vv. 33-34). A primeira informação relevante do enunciado é que o Evangelho escrito contém apenas algumas das “muitas parábolas” contadas por Jesus. A pregação do Nazareno foi bem mais ampla, indo muito além daquilo que os evangelistas conseguiram resgatar. Como bom mestre, Jesus falava conforme a capacidade de entendimento das pessoas. Sabia ler os sinais dos tempos e adaptar-se às diferentes realidades, como devem fazer as comunidades de hoje.
O evangelista distingue os discípulos das multidões: “quando estava sozinho com os discípulos, explicava tudo”. Com essa distinção, ele não pretende criar uma classe de privilegiados, mas acentua a responsabilidade de ser discípulo e discípula. Não basta ouvir uma vez aleatoriamente; é necessário sentar com Jesus e ruminar a sua palavra para, de fato, ela frutificar na vida de cada um. O evangelista não via a multidão como uma massa excluída, em oposição ao privilégio dos discípulos, mas como uma primeira etapa do discipulado. A Palavra que ecoa no meio da multidão, de modo tímido e anônimo, é capaz de germinar, crescer e frutificar, gerando assim novos discípulos e discípulas para o Reino.
Com essas duas parábolas, de modo brilhante, Jesus respondeu aos questionamentos gerados pela crise entre os discípulos, e Marcos resgatou-as para responder também a uma situação semelhante de crise na sua comunidade. Certamente, essa resposta é válida para todos os momentos da história. O Reino de Deus, como um mundo de justiça, amor, solidariedade, fraternidade e igualdade, não surgirá repentinamente; é uma realidade misteriosa, dinâmica e lenta, que exige paciência e humildade em sua edificação. Além de paciência, humildade e discernimento, a sua construção exige, sobretudo, confiança na força transformadora da Palavra. O Evangelho de hoje é um convite ao resgate dessa confiança.
Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN