Um membro sofre? Todos os outros membros sofrem com ele”. Assim começa a carta escrita pelo Papa Francisco ao povo de Deus, divulgada nesta segunda-feira, 20, para falar sobre os casos de abusos cometidos por membros do clero e religiosos.
Francisco afirma que trata-se de um “crime que gera profundas feridas de dor e impotência”, em primeiro lugar nas vítimas, mas também em suas famílias e na comunidade inteira, tanto entre os crentes e quanto os não-crentes.
“Olhando para o passado, nunca será suficiente o que se faça para pedir perdão e procurar reparar o dano causado. Olhando para o futuro, nunca será pouco tudo o que for feito para gerar uma cultura capaz de evitar que essas situações não só não aconteçam, mas que não encontrem espaços para serem ocultadas e perpetuadas”, enfatiza.
O Santo Padre destaca que é preciso reafirmar o compromisso de garantir a proteção de menores e de adultos em situações de vulnerabilidade.
Pensilvânia
Na carta, o Papa destaca o relatório divulgado na terça-feira, 14, que revelou mais de 1000 casos de abusos envolvendo membros do clero no Estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Francisco denuncia que esses “sobreviventes” foram vítimas de “abuso sexual, de poder e de consciência”, durante aproximadamente 70 anos.
“A dor dessas vítimas é um gemido que clama ao céu, que alcança a alma e que, por muito tempo, foi ignorado, emudecido ou silenciado. Mas seu grito foi mais forte do que todas as medidas que tentaram silenciá-lo ou, inclusive, que procuraram resolvê-lo com decisões que aumentaram a gravidade caindo na cumplicidade. Clamor que o Senhor ouviu, demonstrando, mais uma vez, de que lado Ele quer estar”, destacou.
O Papa afirma que a comunidade eclesial, com vergonha e arrependimento, assume que não soube estar onde deveria e não agiu a tempo de reconhecer a dimensão e a gravidade do dano que estava sendo causado em tantas vidas. “Nós negligenciamos e abandonamos os pequenos”.
Todos os membros sofrem
Na carta, Francisco destaca que a gravidades dos acontecimentos obrigam a assumir esse fato de maneira global e comunitária. “Embora seja importante e necessário em qualquer caminho de conversão tomar conhecimento do que aconteceu, isso, em si, não basta. Hoje, como Povo de Deus, somos desafiados a assumir a dor de nossos irmãos feridos na sua carne e no seu espírito”.
O Papa destaca que, se no passado a omissão pôde tornar-se uma forma de resposta, agora deve ser a solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo e desafiador, de modo que as vítimas de todo o tipo de abuso possam encontrar uma mão estendida que as proteja e resgate da sua dor.
“Essa solidariedade exige que, por nossa vez, denunciemos tudo o que possa comprometer a integridade de qualquer pessoa. Uma solidariedade que exige a luta contra todas as formas de corrupção, especialmente a espiritual porque trata-se duma cegueira cômoda e autossuficiente, em que tudo acaba por parecer lícito”.
Tolerância zero
O Pontífice reconhece o esforço e o trabalho que são feitos em diferentes partes do mundo para proteger a integridade de crianças e de adultos em situação de vulnerabilidade, bem como a implementação da “tolerância zero” e de modos de prestar contas por parte dos que cometam ou acobertam esses crimes.
“Tardamos em aplicar essas medidas e sanções tão necessárias, mas confio que elas ajudarão a garantir uma maior cultura do cuidado no presente e no futuro”, afirmou.
Além disso, o Papa destaca a necessidade de que cada batizado se sinta envolvido na transformação eclesial e social tão necessária. “Para isso nos ajudarão a oração e a penitência. Convido todo o Povo Santo fiel de Deus ao exercício penitencial da oração e do jejum, seguindo o mandato do Senhor, que desperte a nossa consciência, a nossa solidariedade e o compromisso com uma cultura do cuidado e o ‘nunca mais’ a qualquer tipo e forma de abuso”.
Francisco enfatiza que é imperativo reconhecer e condenar as atrocidades cometidas por pessoas consagradas, clérigos, e inclusive por todos aqueles que tinham a missão de assistir e cuidar dos mais vulneráveis.
“Peçamos perdão pelos pecados, nossos e dos outros. A consciência do pecado nos ajuda a reconhecer os erros, delitos e feridas geradas no passado e permite nos abrir e nos comprometer mais com o presente num caminho de conversão renovada”.
Ele conclui afirmando que é através da atitude de oração e penitência, que será possível “entrar em sintonia” pessoal e comunitária com essa exortação, para que cresça em cada um o dom da compaixão, justiça, prevenção e reparação.
Como forma de divulgar a Carta, o Papa Francisco fez uma postagem no seu twitter com a frase: “Que o Espírito Santo nos dê a graça da conversão e da unção interior para poder expressar, diante dos crimes de abuso, a nossa compunção e a nossa decisão de lutar com coragem” e o link para acessar o conteúdo.
Da redação, com Boletim da Santa Sé