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Reflexão para a Festa da Apresentação do Senhor- Lucas 2,22-40



Tendo se passado exatamente quarenta dias do natal, a Igreja celebra, neste domingo, dia dois de fevereiro, a festa da Apresentação do Senhor, substituindo o quarto domingo do tempo comum. Embora já seja celebrada em pleno tempo comum, essa festa funciona como a conclusão definitiva do natal e um pré-anúncio da páscoa. É uma festa muito antiga. Surgiu no Oriente, ainda no quarto século da era cristã, com o título de “festa do encontro”. No Ocidente, passou a ser celebrada no século sexto com o mesmo título, o qual foi mudado no décimo século para “festa da purificação da Bem-aventurada Virgem Maria”, quando passou a ser uma festa mariana. O título atual – festa da apresentação do Senhor – é bem recente: foi introduzido com a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, recolocando o Senhor como centro e, assim, recuperando o seu sentido cristológico. No Oriente, continua sendo celebrada com o título original de “festa do encontro”.

O evangelho proposto para hoje – Lc 2,22-40 – é o relato da apresentação de Jesus no templo de Jerusalém, o que justifica a existência e o título desta festa. É um texto de alta concentração cristológica, no qual convergem diversos elementos do Antigo Testamento para a novidade de Jesus, como preparação para o seu reconhecimento como salvador universal e “luz de todas as nações (v. 32). Considerando a sua grande extensão, dezenove versículos no total, não comentaremos versículo por versículo, mas procuraremos colher a mensagem principal, embora seja indispensável evidenciar alguns versículos em particular. Inserido no chamado “evangelho da infância” de Lucas (Lc 1 – 2), esse texto faz parte de uma sequência de episódios iniciada pelo relato do nascimento de Jesus (Lc 2,1-7): o anúncio do anjo aos pastores (Lc 2,8-12), o canto dos anjos glorificando a Deus (Lc 2,13-14), a visita dos pastores à manjedoura em Belém (Lc 2,15-20), a circuncisão e imposição do nome Jesus (Lc 2,21). O texto de hoje se insere na sequência destes episódios.

Além do relato da apresentação do menino e da purificação da mãe, como cumprimento dos preceitos da Lei (vv. 22-24), o texto contém os testemunhos de Simeão (vv. 25-35) e Ana (vv. 36-38), o que lhe confere uma riqueza ímpar. De fato, o simples cumprimento dos preceitos da Lei não revela nada de extraordinário; inclusive, a intenção do evangelho ao mencioná-lo é mostrar a inserção de Jesus na história, na vida concreta de um povo, vivendo o seu cotidiano. O que, de fato, desconcerta e apresenta grande novidade são os testemunhos de Simeão e Ana, enriquecendo a cristologia do texto com suas respectivas revelações da identidade messiânica de Jesus. Na conclusão, o autor fala do retorno de Jesus com seus pais à vida cotidiana de Nazaré e apresenta uma pequena síntese do seu crescimento acompanhado da força e a graça de Deus (vv. 39-40).

Conforme afirmamos anteriormente, esse texto tem uma alta concentração cristológica; o seu centro é Cristo, e isso já pode ser percebido no primeiro versículo: “Quando se completaram os dias da purificação da mãe e do filho, conforme a Lei de Moisés, Maria e José levaram Jesus a Jerusalém, a fim de apresentá-lo ao Senhor” (v. 22). Ora, o preceito de purificação era aplicado somente à mãe: quarenta dias após o parto, se a criança fosse menino, e oitenta dias se fosse menina (cf. Lv 12,1-8). A lei exigia apenas que a mãe se apresentasse ao sacerdote, levando a oferta prescrita. Ao inserir Jesus na cena, Lucas pretende evidenciar a sua importância e centralidade. Não havia nenhum preceito que exigisse a apresentação da criança. A Lei determinava apenas a consagração do primogênito (v. 23 = Ex 13,2). Para essa consagração não havia necessidade de levar a criança ao sacerdote, mas apenas o pagamento do seu resgate (cf. Ex 34,19-20). As motivações de Lucas são estritamente teológicas, ao inserir no episódio elementos que, de certo modo, contradizem as normas e os costumes do povo judeu.

Como um dos temas mais caros ao Evangelho segundo Lucas é a atenção aos pobres, também neste episódio ele faz questão de evidenciá-lo, através da descrição da oferta de José e Maria pela purificação da mãe: “Foram também oferecer o sacrifício – um par de rolas ou dois pombinhos – como está ordenado na Lei do Senhor” (v. 24). A oferta deveria ser de um cordeiro, com exceção para as famílias pobres que podiam oferecer um par de rolas ou dois pombinhos (cf. Lv 12,8), como fizeram José e Maria. Com isso, o evangelista evidencia que Jesus veio pelos pobres, para os pobres e para ficar com os pobres, especialmente. Sua identificação é clara com os últimos de Israel e, consequentemente, de todo o universo: humildes, pecadores, mulheres e marginalizados em geral. É com esse detalhe que o evangelista encerra as descrições rituais do episódio. Nos versículos seguintes ele apresentará os testemunhos de Simeão e Ana como centro do relato. Na verdade, ele usou os preceitos da Lei e os ritos apenas como pretexto para tratar da identidade messiânica de Jesus, como faz em seguida.

Simeão e Ana são personagens exclusivos de Lucas. São frutos da sua teologia e são personalidades corporativas, ou seja, representam uma coletividade: a parcela do povo de Israel que permaneceu fiel às promessas de Deus, especialmente os mais pobres, e que reconhece Jesus como o cumprimento das promessas e a plenitude da Lei. Eis a descrição de Simeão: “Em Jerusalém havia um homem chamado Simeão, o qual era justo e piedoso, e esperava a consolação do povo de Israel. O Espírito Santo estava com ele e lhe havia anunciado que não morreria antes de ver o Messias que vem do Senhor” (v. 25-26). As qualidades de justo e piedoso sintetizam o que Deus espera do ser humano. É sinônimo de conduta reta diante de Deus e do próximo. esperar a consolação significa reconhecer e assumir uma situação de tristeza, de negação da vida. Por isso, Lucas enfatiza tanto a alegria ao longo do seu Evangelho. Israel vivia uma situação caótica e triste e, diante disso, muitos perderam a esperança e o gosto pela vida. Simeão soube esperar e reconhecer em Jesus o consolo definitivo, a salvação de quem estava literalmente perdido, sem perspectivas, devido à opressão causada pelos sistemas de poder, tanto político-econômico quanto religioso. Vivendo em situação tão adversa e caótica, somente tendo consigo o Espírito Santo, Simeão poderia sentir a libertação definitiva tão próxima. Esse dado é importante: é o Espírito Santo quem credencia o ser humano a acolher a novidade de Jesus e do Evangelho.

Ao dizer que “Simeão tomou o menino nos braços e bendisse a Deus” (v. 28), Lucas quer afirmar que o velho acolheu o novo, os dois testamentos (alianças) se encontraram e podem, de agora em diante, conviver em harmonia, desde que haja abertura ao Espírito Santo da parte do antigo. O povo da antiga aliança é consolado ao participar da nova aliança, cedendo aos apelos do Espírito Santo. Isso requer um aprofundamento na vivência da fé, graças ao Espírito Santo. Conforme já profetizara Isaías (cf. Is 49,6), Simeão percebe que é preciso abrir mão de certos pensamentos hegemônicos: a glória de Israel é compatível com a luz das nações. Ora, luz é também sinal de glória. Portanto, se Israel encontra sua glória, os povos de todo o mundo são também iluminados, e não dominados, como esperavam os movimentos mais nacionalistas e radicais. Lucas aproveita a cena para introduzir mais um cântico no seu “evangelho da infância”, colocando-o, dessa vez, na boca de Simeão (vv. 29-32), conforme já fizera com Maria (Lc 1,46-55), com Zacarias (Lc 1,68-79), e com os anjos (Lc 2,14).

Somente com olhos e coração atentos ao Espírito Santo, era possível afirmar que a salvação foi vista, contemplada. Assim, Simeão e, nele, todo o Israel fiel, pode dizer: “podes deixar teu servo partir em paz” (v. 30). De fato, o Antigo Testamento deu ao Novo seu lugar! Simeão, ajudado pelo Espírito Santo, antecipa a missão de Jesus e o efeito dessa: ser sinal de contradição e causa de queda e reerguimento para muitos em Israel (cf. v. 34). O Evangelho não será acolhido por todos e, portanto, a sua acolhida causará divisão, angústia e, consequentemente, queda e elevação. Na verdade, Lucas está reforçando o que já tinha apresentado no cântico de Maria: o Deus de Israel e de Jesus eleva os humildes e faz cair os soberbos (cf. Lc 1,52ss). Quanto ao que Simeão diz em relação a Maria, a mãe, não é uma profecia sobre o drama da cruz, como muitas interpretações afirmam. A espada é uma imagem da palavra de Deus no Antigo Testamento (cf. Is 49,2). Portanto, será a Palavra de Deus, revelada plenamente em Jesus, a atravessar Maria: o Evangelho dividirá o povo judeu; uns o acolherão, outros não; como imagem e figura de Israel, Maria viverá em si esse drama. A espada aqui é o Evangelho que dividirá o mundo.

Quanto a Ana, seu papel é semelhante ao de Simeão, embora a sua descrição seja bem diferente: “Havia também uma profetisa, chamada Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser. Era de idade muito avançada; quando jovem, tinha sido casada e vivera sete anos com o marido” (v. 36). É característica de Lucas atribuir importância a pessoas praticamente destinadas ao esquecimento. Assim ele faz com Ana. Ao mencioná-la, ele quer enfatizar o papel da mulher na nova aliança, resgatando uma importância que a antiga lhe tinha negado. Ao qualificá-la como profetisa, o evangelista lhe atribui um papel importante, pois somente quatro mulheres receberam esse título no Antigo Testamento, e cinco em toda a Bíblia, incluindo ela: Maria, irmã de Moisés e Aarão (Ex 15,20), Débora (Jz 4,4), Hulda (2Rs 22,14), a esposa de Isaías (Is 8,3), e Ana. A tribo de Aser, da qual Ana era proveniente, localizada no extremo norte da Galileia, era a mais distante de Jerusalém, e sua população era considerada quase pagã pelas autoridades religiosas da época. Esse dado também evidencia a predileção de Deus pelo que é rejeitado e marginalizado.

A idade de Ana é bastante significativa: 84 anos, o que significa 7 vezes 12, ou seja, Israel (número 12) chegando a sua perfeição (número 7); portanto, Ana representa o Israel ideal que encontrou em Jesus a sua razão de ser. Por isso, ela “pôs-se a louvar a Deus e a falar do menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém” (v. 38). O louvor é consequência de quem se reencontra com a alegria e o gosto pela vida, algo que Lucas valoriza bastante em sua obra (Evangelho e Atos). Ana, ao louvar, se solidariza com todos aqueles que esperavam a libertação. Ora, libertação é o desejo de quem se sente na escravidão. Ela reconhece Jesus como a libertação definitiva de quem se encontrava escravizado pelos poderes econômico, político e religioso da época.

Diante de tudo o que se dizia do menino, a reação dos seus pais não poderia ser diferente: estavam maravilhados (v. 33). Assim como Simeão e Ana, José e Maria também estavam cansados da vida com suas mazelas, exploração e desencantos. Porém, mantiveram a esperança viva; não desanimaram, esperaram no Senhor e viram a libertação e a consolação. Por isso, são para nós testemunhas autênticas de um Deus que não deixa de cumprir as suas promessas e que olha, especialmente, pelos mais necessitados de todos os tempos.

A grande lição desse belo texto evangélico é exatamente essa: em Jesus, as promessas de Deus são realizadas, o Antigo Testamento é cumprido, porém, de modo surpreendente: a mensagem salvífica de Jesus é tão grande que Israel não é capaz de comportá-la; por isso, transcende, é luz para todos os povos! Maravilhar-se é admirar-se, encantar-se. Em Jesus, uma nova história começa, tendo como protagonistas os pobres, pequenos e humildes, ou seja, os necessitados de consolação e de libertação.

Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN

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