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Título: Na sala de aula do Professor Wojtyła: uma amizade que surgiu com a Filosofia.

 


“Um amigo fiel é um remédio de vida e imortalidade; quem teme ao Senhor, achará esse amigo”[1]. Não há dúvidas de que as amizades nascem em nossas vidas como manifestação da ação generosa de Deus. Neste sentido, os santos são verdadeiros unguentos na vida da Igreja e das pessoas. Por meio deste texto, dou testemunho de uma amizade que se iniciou e se sustenta ultrapassando os limites desta vida num laço que une dimensões aparentemente abissais.

Os santos estão em nossas casas, ocupam espaço em nossos altares, em nossas estantes e, de maneira viva, participam de nossas vidas, das nossas alegrias e de nossos desafios. Dou este testemunho falando sobre Providência divina, Comunhão dos santos, estudos, missão com os jovens e sobre o dom da docência. Passando por estes pontos falo de minha amizade com Karol Wojtyła, o papa São João Paulo II, e conto como ele entrou em minha vida lançando raízes em meus estudos, em minha profissão e em minha vocação.

 

A Providência Divina, um sonho e um livro.

Apesar de servir durante seis anos em um Centro de Evangelização que recebia o seu nome[2], eu sabia muito pouco a seu respeito. A nossa relação se estreitou somente a partir de 2019, por uma ação da Providência de Deus. Neste ano, eu era discente do Curso de Licenciatura em Filosofia e se aproximava o tempo de elaboração da Monografia (TCC). Então pedi a Deus uma sabedoria para que eu pudesse encontrar um tema relacionado à Ética. Além disso, pedi a ele bons referenciais que me ajudassem a dar passos na pesquisa e na reflexão.

Certo dia, organizei-me para vivenciar um retiro pessoal na casa dos irmãos missionários da Comunidade de Vida. Durante a noite, sonhei com uma voz que dizia repetidamente: "amor, responsabilidade; amor, responsabilidade; amor, responsabilidade...”. Quando acordei, sem entender do que se tratava, preparei-me e me dirigi para a Comunidade de Vida a fim de viver o itinerário do retiro.

Ao chegar à casa da Comunidade de Vida, o coordenador da casa masculina havia separado uma cama para que eu pudesse descansar durante o intervalo programado. Ao lado desta cama havia uma mesinha de cabeceira e sobre ela estava um livro cujo título era Amor e responsabilidade[3]. Na capa, a foto de uma figura conhecida: o Cardeal Karol Wojtyła / São João Paulo II. Fiquei surpreso porque há pouco menos de uma hora eu havia sonhado com uma voz que insistentemente mencionava as palavras daquele título. Movido por este mistério, dei-me a folhear algumas páginas e logo percebi que era um livro de filosofia. E mais, tratava-se especificamente de um livro de ética, área de investigação que me interessava para desenvolver o meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

Chegando a minha casa após o retiro, como de costume, verifiquei minhas mensagens eletrônicas. Entre elas, havia uma mensagem de um irmão membro da Comunidade. A mensagem compartilhava uma matéria do ComShalom cujo título era “São João Paulo II: o Papa Filósofo”[4]. Após ler, não precisei de mais sinais, pois “Deus falou uma vez, e duas vezes eu ouvi”[5]. No meu coração, comecei a entender que havia encontrado um horizonte de pesquisa para minha monografia e que, claramente, estava vivenciando naquele dia uma intervenção da Providência de Deus que me conduzia para o que eu precisava.

 

Na sala de aula do Professor Wojtyła.  

 

Iniciei, assim, uma pesquisa para elaboração de um Projeto de Monografia tendo como ponto de partida o livro Amor e responsabilidade. Durante a pesquisa, descobri que a história deste livro compreendia uma especial atenção do professor Wojtyła para com os jovens universitários poloneses.

Na década de 1950, o seu país vivia tempos difíceis sob o governo dos soviéticos. Karol Wojtyła ocupava então uma cadeira de Ética na Universidade Católica de Lublin. Enfrentando os desdobramentos da práxis marxista, surpreendia-o o fato de os jovens não se deixarem mover tanto por perguntas sobre a existência de Deus, mas dirigiam a ele “questões precisas sobre a forma de viver”, sobre a maneira de enfrentar e resolver os problemas do amor e do matrimônio, e sobre o mundo do trabalho. Disse ele: “com suas dúvidas e com suas perguntas, em um certo sentido, indicaram o caminho também para mim. Pelos nossos contatos, pela participação nos problemas de sua vida, nasceu um estudo cujo conteúdo sintetizei no título Amor e responsabilidade[6]

Os jovens colocavam-lhe “questões precisas sobre a forma de viver”. Ora, não é precisamente este o fundo existencial da ética? Não é esse o fundo da pergunta – “que devo fazer de bom?” (Cf. Mt 19, 16) – protagonizada pelo Jovem do Evangelho, isto é, a busca honesta de uma vida plena, feliz, realizada e autêntica? Eram questões deste teor que faziam interessar-me pela ética. Com o livro Amor e responsabilidade nas mãos, flagrei-me, de um modo muito particular, como um jovem universitário na sala de aula do Professor Wojtyła.

A defesa de minha Monografia aconteceu no dia 14 de Junho de 2021 tendo por título Elementos da ética personalista de Karol Wojtyła: a pessoa e o seu agir. A princípio, o personalismo filosófico[7] de Karol Wojtyła apresentou-se apenas como um possível objeto de estudo. Contudo, esse contato ocasionou uma transformação radical em minha forma de ver a pessoa humana e, consequentemente, me fez refletir sobre a minha participação na vida de cada pessoa, em especial, daqueles que Deus já havia me confiado. Família, namoro, amizades, pastoreio, docência, vocação: tudo começa a se firmar sobre princípios personalistas. Além disso, é de se supor que nossa relação não se restringiria a uma admiração filosófica. Não poderíamos parar numa relação sujeito-objeto. Deste contato, nasceu uma amizade.

 Amigo e intercessor.

 As amizades se firmam desde princípios comuns. Além do amor à filosofia e aos jovens, temos também em comum a experiência com a docência. Em 2021, depois de meu primeiro ano como professor efetivo, fiquei desempregado. Recorri então à Novena de São João Paulo II e pedi a graça de um lugar de atuação profissional. A resposta veio sem demora: empreguei-me em duas escolas, sendo que uma delas recebe o nome de “Colégio Cristo Redentor”. Logo associei a ele tal graça, certo que a Redenção é o objeto eixo e o horizonte de sua projeção teológica. Para constatar isto, basta visitar sua primeira encíclica: Redemptor hominis. Nesta encíclica, ele fala de Cristo como o Redentor do homem.

Como qualquer amizade, a minha relação com Karol se estreitou pelo cultivo comum de valores. Santo Tomás de Aquino reafirmou de Aristóteles que “é próprio dos amigos quererem as mesmas coisas, alegrarem-se com elas e entristecerem-se com elas[8]. No nosso caso, foi estudando os seus tratados sobre a pessoa humana e compartilhando a paixão pela filosofia, pela docência, pelos jovens e, sobretudo, por Jesus Cristo que nos tornamos amigos. Partindo disto, pouco a pouco ele foi tomando espaço em meu coração e comungando de minha vida e eu da dele, conforme a comunhão dos santos nos permite concretamente a isso.

Informações pessoais: Emanuel Nilo da Silva Aires, Missionário Membro da Comunidade de Aliança, Professor, Missão Mossoró/RN.

 


[1] Eclesiástico 6, 16.

[2] Hoje, o antigo Centro de Evangelização São João Paulo II é agora Casa de Promoção Humana São João Paulo II.

[3] WOJTYLA, Karol. Amor e Responsabilidade. Tradução: Manuel Alves da Silva. São Paulo: Cultor de Livros, 2016.

[4] CAVALCANTE, Francisco de Assis Macêdo. São João Paulo II: o papa filósofo. ComShalom, 2017. Disponível em: <https://comshalom.org/sao-joao-paulo-ii-o-papa-filosofo/> . Acesso em 22 de Out. de 2020.

[5] Salmo 61, 12.

[6] JOÃO PAULO II. Cruzando o limiar da esperança. Tradução: Antônio Agonese e Ephraim Ferreira Alves. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994, p. 185 – 186.

[7]Quando falamos em Personalismo filosófico devemos nos remeter objetivamente a um projeto antropológico que tem como centro o homem, por sua vez, tematizado como pessoa. Nesta corrente que surge no século XX está inserido Karol Wojtyła, o papa São João Paulo II.

[8] Sum. Theo. Ia-IIae, q.28, a.2, c.